A CIA PAULISTA DE ESTRADAS DE FERRO E O SURGIMENTO DO BAIRRO VILA INDUSTRIAL
A chegada da Cia Paulista de Estradas de Ferro em Campinas, em 1872, vai acelerar o crescimento urbano local, que já contava, em 1869, “com 8.000 habitantes, 1.400 prédios, 41 ruas, 6 praças, 4 cemitérios, 3 igrejas, 1 teatro, 1 cadeia, 1 hospital e 175 estabelecimentos comerciais” (MENDES, 1963).
Porém, a continuidade do crescimento da cidade e o aumento de sua riqueza esbarravam num problema crucial, o transporte. O café era duramente levado ao porto para sua exportação, através de burros, jegues e mulas, nas pequenas estradas de terra existentes, isto significava grandes perdas do produto, assim como morosidade no seu escoamento (RODRIGUES, 1997, p.17).
A solução desses problemas estava na rápida instalação da estrada de ferro em Campinas. A partir de 15 de março de 1.870, iniciam-se os trabalhos de construção da estrada de ferro, que se estenderia de Jundiaí a Campinas. Assim, no dia 11 de agosto de 1.872, inaugurava-se a Companhia Paulista de Estradas de Ferro (Figura 1), com uma grande festa, deixando as pessoas ali presentes admiradas, como atesta o jornalista campineiro Francisco Quirino dos Santos, na “Gazeta de Campinas” (RODRIGUES, 1997):
Contavam-se três horas e meia quando um estremecimento estranho veio eletrizar em todos os sentidos aquela reunião enorme: ouvia-se longíquo um rugido estridente e os ecos repercutiam pelas nossas belas campinas o férreo galopar do misterioso hipogrifo. O que se passou nesse instante foi uma coisa que não se diz: sonha-se ou vê-se. Girândolas, foguetes, baterias, aclamações, música, tudo isso ergue-se num ímpeto tão sublime como a própria alma do povo a perder-se numa vertigem de alegria indefinida. Espetáculo maravilhoso! Entusiasmo assim não se prepara, nasce de si mesmo, como a lava no seio dos vulcões para esbrasear a face das montanhas e derramar calor e o brilho pela atmosfera incendiada… (SANTOS, 1981)
Após esta data, o destino de Campinas mudaria de forma radical. Um novo impulso econômico surgiria, e, além disto, uma profunda transformação na mentalidade das pessoas, no modo de construir e na expansão urbana da cidade.
O limite do núcleo urbano de Campinas passa então a ser os trilhos da ferrovia, expandindo-se das imediações da “matriz nova” (atual Catedral N. Sra. Da Conceição) até Estação da Cia Paulista pelas atuais ruas 13 de Maio e Costa Aguiar, que pode ser observado em foto aérea, do início do século XX e também na planta da cidade de Campinas de 1878 (Figuras 2 e 3) (RODRIGUES, on-line, 2004).
Tratamento de imagem: Maneco Silva
Inserção de dados: Ana Villanueva
As estações ferroviárias, no século XIX, eram construções de muita importância além de sua funcionalidade, e demonstravam uma determinada “imagem” da cidade, pois sendo local de “chegada”, deveriam ser também o seu “cartão-postal” (RODRIGUES, 1997, p. 18).
Campinas não aceitou ter uma estação modesta como foi construído inicialmente (Figura 4), desejara, sim, ter um “monumento arquitetônico”, portanto em menos de 12 anos, se reconstruiu a estação da Cia. Paulista ostentando a riqueza da cidade e da companhia férrea, como pode-se observar na Figuras 4, do primeiro prédio e na (Figura 5), da segunda construção.
Fonte: SESSO JUNIOR, Geraldo. “Retalhos da Velha Campinas”, 1970.
Acervo: Dissertação de Mestrado – Ana Villanueva – 1997
Tratamento de imagem: Maneco Silva
com o 1º pavimento do bloco oeste concluído
Fonte: FEPASA. “120 anos de Ferrovia Paulista 1872-1992.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado S.A., 1992.
Acervo: Dissertação de Mestrado – Ana Villanueva – 1997
Tratamento de imagem: Maneco Silva
Além da estação, outros prédios importantes foram construídos pela Cia. Paulista no pátio ferroviário:
OFICINAS – Inicialmente várias oficinas funcionavam em Campinas, porém as mesmas foram transferidas para Jundiaí, pela necessidade de maior espaço para a ampliação, o qual não era possível no pátio de Campinas (RELATÓRIO da Cia. Paulista, 1890, p. 10).
ROTUNDA – Existia inicialmente uma rotunda para 15 locomotivas, que foi posteriormente demolida restando apenas a rotunda da Cia. Mogiana (RODRIGUES, 1997, p.25).
ARMAZÉM – Os dois armazéns da Cia. Paulista foram construídos de maneira ampla, com grandes dimensões, servindo, no início, também à Cia. Mogiana (RODRIGUES, 1997, p.26).
A amplitude desses armazéns, testemunha a grande produção do café em Campinas (CONDEPACC, 1989, P.3). O armazém mais próximo do núcleo antigo da cidade era de maiores proporções e apresenta-se intacto até os dias atuais, cujo uso é de escola profissionalizante, o CEPROCAMP (Figura 6)
Acervo: Museu da Imagem e do Som de Campinas
Coleção Secretaria de Obras
Inserção de dados: Ana Villanueva
As construções significativas no pátio ferroviário prosseguiram até aproximadamente a década de 40, sendo que entre 1.930 e 1.940 foram mais escassas, devido à crise do café em 1.929/1.930 (RODRIGUES, 1997, p.27).
Esta grande quantidade de edifícios construídos em curto espaço de tempo e com novas tecnologias, influenciaram radicalmente o modo de construir na cidade. Tudo isso somado à facilidade do transporte ferroviário que trazia novidades arquitetônicas da Europa (REIS FILHO, 1987, p. 186).
A partir da instalação da linha férrea e dos edifícios da Cia Paulista, este local torna-se o principal eixo de desenvolvimento de Campinas, porém de forma a dividir a cidade entre “arrabalde” com o limite da linha férrea (Figura 7) e “frente” da Estação (Figura 8).
movimento de pessoas na “frente” da Estação – 1911
Fonte: SESSO JUNIOR, Geraldo. “Retalhos da Velha Campinas”, 1970.
Acervo: Dissertação de Mestrado – Ana Villanueva – 1997
Na “frente” da Estação da Cia Paulista instalaram-se prédios comerciais, industrias, grandes hospitais, hotéis, assim como foi aberto o “boulevard” Andrade Neves (Figura 9)
Indústria da Cia Lidgerwood em primeiro plano à esquerda
Acervo: Dissertação de Mestrado – Ana Villanueva – 1997
Inserção de dados: Ana Villanueva
No “arrabalde” da cidade ficaram as vilas operárias, os cemitérios, os lazaretos, os cortumes, o matadouro, ou seja, tudo que se queria esconder de quem chegava em Campinas.
A expansão da Cia. Paulista continuou em 1.892, com a aquisição da Estrada de Ferro de Rio Claro e Araraquara, construída pelo Visconde de Pinhal e de propriedade de uma companhia inglesa, entre outras extensões de linhas. A sua expansão está, na grande maioria dos casos, ligada ao desenvolvimento da cultura cafeeira e da marcha do povoamento (MATOS, 1981).
Paralelamente, outras companhias ferroviárias surgiram, sendo as mais destacadas, a Cia. Ituana (1.870), Cia. Sorocabana (1.870) e a Cia. Mogiana (1.872).
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
CONDEPACC. Relatório final de Tombamento/proc. nº 004/89 – Conjunto Ferroviário – FEPASA. Campinas, 1.989.
MATOS, Odilon Nogueira de. “Café e Ferrovias”. São Paulo: Ed. Arquivo do Estado, Coleções Monografias, 1981.
MENDES, José de Castro. “Efemérides Campineiras 1739-1960”. Campinas: Ed. Gráfica Palmeiras, 1963.
REIS FILHO, Nestor Goulart. “Quadro da arquitetura no Brasil”. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1.987.
RELATÓRIO da Cia. Paulista. /s.l./ : /s.n./, 1.890.
RODRIGUES, Ana A. Villanueva. “Campinas fin-de-siècle”, 2004. In: I Congresso Internacional de História Urbana: CAMILLO SITTE e a circulação das idéias de estética urbana, europa e américa latina: 1880-1930.Agudos: Cultura Academica, FAPESP, UNESP, FAAC, ISAV, USC, 2004. Disponível em: https://www.arquiteturacomvillanueva.com
RODRIGUES, Ana A. Villanueva. “Preservação como Projeto. Area do pátio central das antigas Cia. Paulista e Cia. Mogiana – Campinas – SP”. São Paulo: Dissertação (mestrado), FAU – USP, 1997.
RODRIGUES, Ana A. Villanueva. “Campinas Clássica: A Catedral Nossa Senhora da Conceição e o Engendramento de uma Arquitetura Monumental Clássica Urbana no Brasil (1807-1883)”. Campinas: Tese (doutorado), IFCH – UNICAMP, 2010.
SANTOS, Francisco Quirino. In:Matos, Odilon Nogueira. Café e Ferrovias.São Paulo: Ed. Arquivo do Estado, Coleções Monografias, 1.981, p. 81.
SESSO JUNIOR, Geraldo. “Retalhos da Velha Campinas”. Campinas: Editora Palmeiras, 1970.